Não há nada de errado com a inclinação da curva de juro

2018-02-01T14:27:18-03:00 20/12/2017|Categories: 2017, Artigos, Valor Econômico|Tags: , , , |

O Banco Central cortou o juro em mais 50 pontos-base neste mês, atingindo a mínima histórica em 7%. O debate sobre a inclinação da curva de juros segue nos jornais e artigos de especialistas. Gostaria de debater o tema nesse artigo e, já adiantando a conclusão, não vejo nenhuma anomalia no mercado e acho bem coerente a inclinação atual da curva de juros.

A inclinação da curva de juros indica os ciclos de juro futuros com um prêmio de risco de acordo com a percepção dos agentes de mercado. O debate em relação a atual inclinação de juro é devido à comparação com o período em que atingimos patamar similar de Selic (7,25%). O mercado embute uma inclinação com altas de juro bem próximas à inclinação de 2012, quando a percepção do mercado era claramente de um erro por parte do Banco Central de forçar um nível insustentável da taxa de juro no curto prazo. Como atingimos o mesmo patamar de inclinação, o debate sobre se o mercado acredita que a atual diretoria do Banco Central está errando em colocar o juro nesse patamar voltou às discussões dos jornais.

Em 2012, quando atingimos esse patamar mínimo da Selic, alguns indicadores já apontavam que estávamos em um patamar insustentável.

Comparado com o atual momento, gostaria de enfatizar alguns como: 1) Crédito: o estoque de crédito para pessoa jurídica, em 2012, estava crescendo a uma taxa real de 10,6%. Agora está decrescendo 8,0%; 2) Desembolsos do BNDES: os empréstimos do BNDES estavam crescendo a uma taxa de 6,3%, e agora apresentam uma queda de 30,2%; 3) Hiato do Produto: em 2012 estávamos com um hiato positivo de 1,0% com tendência positiva para os próximos trimestres. Atualmente o hiato encontra-se negativo em 2,1% e deve permanecer no campo negativo até o segundo trimestre de 2019; 4) Expectativa de inflação 12 meses à frente: em 2012, se encontrava bem acima da meta, ao redor de 5,5%, e hoje se encontra bem abaixo da meta, quando avaliamos o grupo dos principais analistas de inflação, em 3,9%.

O fato das expectativas de inflação estarem ancoradas têm chamado a atenção dos analistas. Como pode a curva de juros estimar um ciclo de alta de juro de volta para os dois dígitos, ao redor de 11,5%, se os mesmos analistas estimam que a inflação vai seguir ancorada ao redor da meta?

O juro real projetado seria de 7,0%, assumindo um juro de 11,5% com uma meta de inflação em 4,0%. Realmente parece um exagero devido à grande evolução que tivemos com a aprovação do teto dos gastos e à nova metodologia adotada para substituir a TJLP (Taxa de Juro de Longo Prazo) com a TLP (Taxa de Longo Prazo) implementada nos próximos anos. O subsídio que sempre pressionou a taxa Selic, vai passar a ajudar a estabelecer um equilíbrio mais baixo do juro real para todos.

Alguns especialistas defendem que a regulação com a resolução 4444, tem criado uma distorção no preço dos títulos. Com a busca por “duration”, uma parcela dos fundos, que são obrigados a ter uma duration mínima, acabam comprando títulos no mercado e fazendo um hedge na curva de juros, forçando, assim, uma inclinação positiva da curva de juros.

Desde quando o Banco Central reduziu o juro real para um patamar entre 3,0% e 3,5%, a instituição começou a adicionar ao seu discurso que estaríamos em um patamar estimulativo. Ou seja, estamos abaixo do juro neutro estimado no momento. Essa sinalização indica que, caso ao longo do tempo o juro neutro não convirja para o juro de 3,0% vigente no curto prazo, muito provavelmente iniciaremos um novo ciclo de alta.

No último relatório de inflação, divulgado em setembro de 2017, o Banco Central demonstrou o resultado de uma pesquisa junto aos analistas de mercado sobre onde se encontrava a taxa neutra e para onde ela convergiria nos próximos dois e cinco anos. A mediana dessa estimativa apresentou resultado no curto prazo de 5,0%, em dois anos cairia para 4,5% e em cinco anos o equilíbrio seria em 4,0%. A queda do juro neutro até 4,0% seria possível com o avanço das reformas estruturais.

O cenário atual é de muita incerteza, comparado com a última vez que a curva esteve tão inclinada em 2012. Naquela época, a desconfiança de que estávamos em um equilíbrio instável tinha os indicadores econômicos como forte base de sustentação a essa tese. Hoje, temos a incerteza das eleições e aprovação da reforma da Previdência, que, dependendo do resultado, pode nos levar a um cenário de descontrole inflacionário e de retrocesso com as reformas já adotadas.

Se hoje estamos com o juro real estimulativo de 3,0%, provavelmente teríamos que levar essa taxa acima do neutro de 5,0% para conter um possível descontrole inflacionário provocado pelo resultado das eleições. Uma taxa de juro real em 7,0% seria necessária. O mercado está refletindo esses riscos adequadamente.

À medida que eliminarmos os riscos futuros, essa inclinação vai se reduzir. Aprovar a reforma da Previdência antes das eleições de 2018 seria fundamental para antecipar esse processo.

Luiz Eduardo Portella
sócio-gestor do Modal Asset Management