A mudança de discurso dos principais bancos centrais dos países desenvolvidos pode ter iniciado uma nova fase da crise iniciada em 2008. O cenário de forte estímulo monetário e excesso de liquidez pode estar ficando para trás, o que deve trazer reflexos para o preço dos ativos nos próximos meses.
Com a crise de 2008, os governos salvaram o setor privado absorvendo empresas e bancos, expandindo gastos e ampliando o déficit fiscal. Com o longo processo de desalavancagem do setor privado, os governos chegaram em seu limite, o que resultou no início de uma nova fase com a introdução do programa de estímulo quantitativo. Os bancos centrais entraram expandindo fortemente a base monetária, comprando títulos e até mesmo ativos ilíquidos e bolsa.
O somatório dessa expansão monetária global atingiu quase US$ 20 trilhões e ajudou as principais economias a voltarem a uma trajetória de crescimento, com baixo desemprego e praticamente eliminando o risco de deflação. Essa forte atuação, sem dúvida, teve efeito positivo nos preços dos ativos. O índice VIX, que mede a volatilidade da bolsa americana, atingiu o menor patamar desde quando começou a ser calculado em 1993, chegando a apenas 9,30%.
As bolsas americanas atingiram novas máximas históricas, com o S&P 500 alcançando 2477,62 e o Nasdaq, 5932,61. Os juros americanos de 10 anos e de 30 anos permanecem em patamares muito baixo historicamente, com ambos ao redor de 2,25% e 2,80% respectivamente.
Em sua reunião de junho, o banco central americano (Federal Reserve) surpreendeu o mercado reafirmando a expectativa de mais uma alta de juro este ano e três altas no ano que vem, apesar de números de inflação mais baixos. Além disso, anunciou como será o desmonte do programa de estímulo quantitativo nos próximos meses.
Essa não foi a primeira surpresa do Fed. Desde setembro de 2016, os discursos e ações têm caminhado na direção de apertar as condições financeiras. No entanto, a reação do mercado continua no mesmo padrão dos últimos anos, ou seja, de esperar que o Fed suba menos o juro ou que vá alterar (para baixo) o caminho de subida gradual de juros. Em março de 2017, os integrantes do Fed tiveram que apertar o tom nos discursos para indicar que iriam subir o juro e o mesmo foi feito em junho.
No final de junho, na conferência promovida pelo Banco Central Europeu (BCE) em Sintra (Portugal), os principais bancos centrais apertaram o tom. Mario Draghi, do BCE, disse que as forças de deflação tinham sido substituídas por ventos a favor de mais inflação no futuro. Esse discurso mais duro foi seguido pelos bancos centrais da Inglaterra, do Canadá e da Austrália.
As condições financeiras excessivamente expansionistas estão preocupando os bancos centrais, pois propiciam uma má alocação de recursos e formação de bolhas. A presidente e o vice do Fed, em declarações recentes, demonstraram preocupação com o preço dos ativos.
Como exemplo recente, operações de venda de volatilidade têm sido destaque em alocações, inclusive de private banking nos EUA. A falta de ativos e as curvas de juros achatadas pelas grandes compras dos bancos centrais têm incentivado produtos que buscam um rendimento mais alto no curto prazo, mesmo que apresentem um risco alto olhando padrões históricos.
Por último, tivemos a reunião do BIS, que reúne trimestralmente representantes dos bancos centrais de todo o mundo, sinalizando que chegou a hora de retirar estímulos na direção da normalização. A confiança com a retomada da economia mundial é maior do que a fraqueza recente nos índices de inflação.
Hoje o Fed conclui mais uma reunião para definir os próximos passos da política monetária. Pelas declarações dos integrantes do comitê, é esperado que sinalizem mais uma alta de juros até o final do ano e indiquem quando vão começar a desmontar o programa de estímulo quantitativo. Diretores enfatizaram que podem anunciar já nesta reunião ou no máximo até setembro. Apesar dessa decisão já estar sendo discutida, o seu impacto na estrutura de juros pode ser grande.
O programa de estímulo quantitativo pressionou o prêmio de risco na estrutura a termo de juros americana para o campo negativo e o início da retirada desse estímulo, mesmo que gradual, pode começar um movimento de abertura de juros apenas com a normalização desse prêmio de risco.
Além do Fed, o Banco Central do Brasil também conclui sua reunião hoje e certamente a decisão do Fed irá influenciar na sinalização de decisões futuras. O Copom deve optar pela manutenção do corte de 100 pontos básicos, já que os números de inflação e atividade continuam decepcionando no Brasil. O cenário internacional muito benigno tem ajudado o Brasil a passar por mais uma turbulência política, apesar da trajetória da dívida pública ter piorado significativamente.
Essa semana, o Fed pode iniciar um período mais difícil para alguns mercados que se beneficiaram do excesso de liquidez. O nível de volatilidade na mínima histórica traz preocupação e o ajuste nos preços pode ser grande.
Luiz Eduardo Portella
sócio-gestor do Modal Asset Management