Crescimento concentrado na agropecuária mostra dificuldade de reação dos demais setores
RIO – A expansão de 1% do Produto Interno Bruto (PIB), em comparação com o quarto trimestre de 2016, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não mostra recuperação expressiva da economia. Isso porque, de acordo com o economista Daniel Silva do Modal Asset, o número positivo é altamente concentrado no crescimento da agropecuária, que teve alta de 13,4%.
— Tínhamos uma projeção mais positiva para o PIB e, após a divulgação, fica a impressão de que mesmo positivo o número é fraco, pois é totalmente concentrado no desempenho positivo da agropecuária, influenciado por safras recordes no país. Excluindo a contribuição da agropecuária, como o setor que mais cresceu, teríamos um PIB, na comparação com o quarto trimestre do ano passado de -0,1%. Com esses dados, não chegamos ao fim da recessão e não temos nenhuma sinalização de recuperação expressiva — analisa.
O Modal Asset tinha projeção de alta do PIB acima da média do mercado, com expectativa de expansão de 1,5% da atividade econômica. O dado, que não se confirmou, está ligado ao fraco desempenho da indústria, que cresceu apenas 0,9%, e dos serviços, que ficou estável em 0%.
Para o economista, os dados gerais da indústria e serviços, em especial, não mostram nenhuma reação da demanda interna, o que já pode sinalizar preocupação com o crescimento da economia para o próximo trimestre. Além disso, destaca o economista, as incertezas no campo político trazem problemas de confiança, que podem afetar negativamente a retomada do crescimento.
— O país vive um quadro de incertezas, que levam à desconfiança das empresas. Certamente isso terá impacto negativo no comércio, serviços e na indústria, portanto, será importante ter cautela daqui para frente — destaca Silva.
CONSUMO DAS FAMÍLIAS
E as incertezas com o atual momento também afetam diretamente o consumo das famílias, que aparece com queda de 0,1% em relação ao trimestre imediatamente anterior. De acordo com o economista, este setor, que é importante para a retomada da economia, não mostrará melhoras neste ano. Para ele, a retomada só chega no ano que vem.
— Vivemos um quadro de desemprego preocupante, que está aliado à preocupação das famílias em diminuir as dívidas. Ainda há muito endividamento. Assim, temos um comportamento de trabalhadores que evitam comprar, e esse processo afeta o ciclo econômico. Mesmo que a atividade econômica mostre alguma recuperação ao longo do ano, a retomada do consumo das famílias é um processo mais lento, que só deve aparecer como dado positivo no início do próximo ano — diz.
Para o economista, a tentativa do governo de reaquecer o consumo com a liberação das contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), não se refletiram nos dados do PIB, isso porque, segundo ele, essa renda extra não foi convertida em consumo.
— As famílias, pelo visto, preferiram poupar ou reverter esse dinheiro para o pagamento de dívidas.
Para Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria, que tinha projeção de expansão de 0,6% do PIB, os dados mostrados pelo IBGE não mostram crescimento consistente.
— São dados que ficaram a reboque do setor agropecuário, e isso não é muito bom. Apesar de o crescimento reverter oito trimestres de queda, não se pode afrimar que é uma recuperação consolidada — afirma.
Segundo a economista, uma recuperação mais clara, com o crescimento de setores importantes, como o industrial, investimentos, e consumo das famílias, deve ser mais concentrada no segundo semestre.
— A queda do juros e a inflação mais baixa ainda não refletiram efeito nesse dado do PIB, porque são fatores que levam de seis a nove meses para refletirem na economia diz.
RECESSÃO NÃO ACABOU
Para a economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), Virene Matesco, ainda não é possível afirmar que a recessão acabou. De acordo com ela, o resultado foi positivo, mas não há motivo para comemorar já que o crescimento de 1% da economia frente ao quarto trimestre ainda foi insuficiente para fazer o PIB sair do patamar de 2010 e os cenários são difusos.
— É um resultado positivo, mas bastante frágil. A boa notícia é a performance da agricultura – que tinha recuado 0,2% no último tri de 2016, agora registra o melhor resultado do setor em 21 anos. Isso vai refletir nos preços dos alimentos e, principalmente, na inflação, porém os números da indústria, do consumo das famílias e dos serviços estão muito ruins — analisa.
A professora ressalta ainda que o mais preocupante é o nível de investimento da indústria, que recuou 3,7%, e o consumo das famílias, com queda de 1,9%, enquanto o consumo do governo se retraiu 1,3%.
— As empresas não estão tirando seus projetos do papel nem investindo em novos maquinários. Considerando os setores da economia, o pior resultado nesse tipo de comparação foi o de serviços, que responde por cerca de 60% da economia brasileira e recuou 1,7% — aponta Virene Matesco.
Matesco lembra que o dado divulgado hoje, um retrato dos meses de janeiro a março, não contempla acontecimentos recentes, como a turbulência política que fez o país mergulhar em uma crise de incerteza. “Podemos comprometer os resultados de 2018”, observa.