Moeda avança 0,93%, e Bolsa cai 1,51%. Investidores temem reforma desidratada

2017-12-27T15:10:59-03:00 07/04/2017|Categories: O Globo|Tags: , , , , |

Rennan Setti

O mercado financeiro reagiu com pessimismo às mudanças que o governo aceitou para facilitar a aprovação da reforma da Previdência. O dólar comercial subiu 0,93% frente ao real, cotado a R$ 3,146. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), que na véspera havia recuado 1,51% diante da percepção de que aprovar a reforma na Câmara será mais difícil do que o esperado, ontem caiu mais 0,85% com as notícias de mudanças na proposta do governo. Segundo analistas, embora o consenso ainda seja o de que a reforma será aprovada, há muita incerteza sobre a extensão das concessões do governo para que isso aconteça.

– Pela manhã, tivemos fluxo grande de saída de investimento com o desconforto de clientes internacionais. À tarde, houve duas rodadas de stop-Ioss no dólar, nas cotações R$ 3,135 e R$ 3,145, que ocorre quando os investidores autorizam a compra da moeda americana a qualquer preço para frear as perdas. Isso levou a uma valorização rápida da divisa americana – contou Pablo Spyer, da gestora Mirae Asset.

 

‘PASSAR MEIA-BOCA NÃO É BOM’

A Bolsa e o câmbio começaram a sessão com desempenho tímido. Mas pioraram ao longo do dia. No meio da tarde, pesou a notícia publicada pelo site do GLOBO de que as mudanças em cinco pontos da proposta de reforma vão reduzir em pelo menos 10% a economia que o governo projetava para os próximos dez anos nos gastos com o INSS, ou cerca de R$ 67,8 bilhões. Depois do fechamento dos mercados, a estimativa foi revista pela Casa Civil para um impacto de 17%, ou R$ 115 bilhões.

Rogério Freitas, sócio na Teórica Investimentos, afirmou que o mercado financeiro está vivendo “um dia após o outro” no que diz respeito à reforma da Previdência. Segundo ele, o cenário-base de todos ainda é de que a reforma será aprovada, mas o ponto mais importante é saber em que condições.

– Os investidores acreditam que alguma reforma vai ser aprovada. A questão é qual será ela. Passar uma reforma meia-boca não é bom. Achava-se, até então, que pouco da essência seria perdido. Mas já se vê que o governo vai ter que ceder em alguns pontos importantes, o que é ruim para a solvência do país – afirmou Freitas. – Muito da história de juros caindo e retorno do crescimento se deu por causa da reforma fiscal como um todo, e a Previdência é parte a mais importante.

Nos juros futuros, os contratos mais longos registraram altas significativas. O contrato Dl com vencimento em 2023 subiu de 10,07% para 10,23% ao ano. Segundo Renan Silva, estrategista-chefe do BullMark Financial Group, isso mostra que os investidores estão exigindo um prêmio maior para aplicar no país:

– A leitura dos agentes é que a flexibilização das regras de transição representa um prejuízo fiscal de grande monta. A economia brasileira começa a se distanciar do investment grade. Há uma deterioração fiscal, abrindo a possibilidade a curto e médio prazos de pararem de cortar juros.

Luiz Eduardo Portella, sócio gestor do Modal Asset Management, avalia que o movimento é de ajuste para a volatilidade esperada nos próximos pregões:

– O que está no preço do mercado é que 65% do texto original passarão. Mas o mercado está ajustando suas posições em preparação para pregões mais voláteis, até os detalhes serem conhecidos.

Se o recuo na reforma da Previdência repercutiu mal entre investidores locais, os estrangeiros já mantinham cautela antes mesmo das últimas concessões do governo. Apesar da melhora na Bolsa e da queda do dólar nos últimos meses, os clientes de bancos internacionais continuam reticentes em aumentar seus investimentos no Brasil. Segundo gestores e executivos do setor, estão todos à espera de mudanças institucionais que percebem como avanços, sendo a aprovação da reforma da Previdência um caminho incontornável para o bolso desses investidores.

– A maior parte dos clientes está com foco muito claro, que é a sustentabilidade da dívida pública brasileira. Fazer uma reforma da Previdência é um desafio em qualquer lugar do mundo, e os clientes acham que a magnitude da melhora vai depender de como vai se desenvolver esse projeto – disse Ricardo Guimarães, diretor de Global Markets no BNP Paribas Brasil.

Francis Repka, diretor-executivo no Brasil do banco francês Société Générale, afirma que, entre seus clientes, o fluxo para renda fixa no país triplicou este ano. A explicação, segundo ele, está na política monetária:

– O spread (diferença) entre a taxa de juros e a inflação é de mais de 8%, o que é muito. Isso é visto como uma oportunidade para os investidores. Por enquanto, os agentes do mercado financeiro ainda acreditam no ajuste fiscal e, particularmente, na reforma da Previdência, que é vista como importante para poder dar uma trajetória à dívida pública.

É PRECISO POSTURA COERENTE

Mas Repka admite que o recuo do governo com relação à aposentadoria de servidores municipais e estaduais já havia sido um precedente negativo.

– Eu não classificaria essa decisão de derrota, mas foi uma notícia negativa, porque significa que a reforma da Previdência vai precisar ser muito mais intensa sobre o setor privado e os funcionários públicos da União. E o país precisa é de uma postura coerente. Não é bom ter diferenciação entre trabalhadores, pois isso toma mais complicada a sustentação da mudança junto à sociedade – argumentou.

E há estrangeiros que veem o copo cheio: mais valeria um projeto de reforma ainda pendente do que a certeza do protecionismo que alguns países vêm experimentando.

– As medidas que estão sendo tomadas são positivas. Acredito que o Brasil está na direção da melhora. É importante que o governo tente liberalizar ainda mais a economia quando vemos o protecionismo crescendo em outras partes do mundo – ponderou John Nelson, presidente do Lloyd’s de Londres, um dos maiores e mais tradicionais grupos do ramo de seguros do mundo.

‘Estamos andando para trás,’diz especialista.